O texto a seguir é uma tradução livre de um trecho de uma das aulas de física do professor Richard Feynman. Ele pode ser encontrado no livro Lectures in Physics que possui tradução para o português como Lições de Física.
O que é energia?
Neste capítulo nós começamos nosso estudo mais detalhado de diferentes aspectos da física, terminando nossa descrição das coisas em geral. Para ilustrar as ideias e o tipo de racionalização que pode ser usada na física teórica, nós precisamos agora examinar umas das leis físicas mais básicas: a conservação da energia.
Há um fato ou, se você preferir, uma lei governando todos os fenômenos naturais conhecidos até hoje. Não há exceção a essa lei – ela é exata até onde sabemos. A lei é chamada conservação da energia. Ela estabele que existe uma certa quantidade, que nós chamamos energia, que não muda apesar das muitas mudanças que a natureza pode sofrer. Isto é uma ideia muito abstrata, pois é um princípio matemático; diz que existe uma quantidade numérica que não se altera quando alguma coisa acontece. Não é a descrição de um mecanismo ou algo concreto; é somente um fato estranho que nós podemos calcular um certo número e quando no final, após observar a natureza realizar seus truques, calculamos o número novamente, ele é o mesmo. (Alguma coisa parecida com o bispo na casa vermelha do jogo de xadrez que, depois de inúmeros movimentos – detalhes desconhecidos – ele ainda está na mesma casa. É uma lei desse tipo.) Já que se trata de uma ideia abstrata, devemos ilustrar seu significado por uma analogia.
Imagine uma criança, talvez “Denis, o pimentinha”, que possui blocos que são absolutamente indestrutíveis e não podem ser divididos em pedaços. Cada um é exatamente igual ao outro e vamos supor que ele possui 28 blocos. Sua mãe o coloca, juntamente com seus 28 blocos, em uma sala no inicio do dia. Ao final do dia, curiosa, ela conta cuidadosamente os blocos e descobre uma lei fenomenal: não importa o que ele faça com os blocos, há sempre 28 no total! Isto é verificado por algum tempo, até que certo dia só há 27 blocos. Porém, uma pequena investigação mostra que há um bloco embaixo do tapete – ela deve olhar em todo lugar para ter certeza de que o número de blocos não mudou. Entretanto, um dia o número parece mudar: há somente 26 blocos. Uma investigação cuidadosa indica que a janela estava aberta e, olhando lá fora, os outros 2 blocos foram encontrados. Outro dia, uma cuidadosa contagem indica que há 30 blocos! Isto causa uma grande perplexidade, até reparar que Bruce veio para uma visita e trouxe seus blocos consigo, deixando alguns na casa de Denis. Após se livrar dos blocos extras, ela fecha a janela, não deixa Bruce entrar e então tudo está certo, até o momento em que ela conta e encontra apenas 25 blocos. Entretanto, há uma caixa na sala; uma caixa de brinquedos. A mãe vai abrí-la mas o menino diz “Não, não abra minha caixa de brinquedos” e chora. A mãe não tem permissão para abrir a caixa de brinquedos. Sendo extremamente curiosa, e um tanto quanto ingênua, ela inventa uma artimanha! Ela sabe que um bloco pesa 90 gramas e então pesa a caixa num momento em que vê 28 blocos, observando 480 gramas. Na próxima vez em que ela deseje checar os blocos, ela pesa a caixa, subtrai 480 gramas e divide por 90. Ela descobre o seguinte:
(número de blocos vistos) + (peso da caixa – 480 gramas) / 90 gramas = constante
Então aparecem algumas novas discrepâncias, mas um estudo cuidadoso indica que a água suja na banheira está tendo seu nivel alterado. A criança está jogando blocos na água e ela não pode vê-los por que a água é muito suja. Mas ela pode encontrar quantos blocos estão na água adicionando outro termo em sua fórmula. Uma vez que a altura original da água era 15 centímetros e cada bloco eleva a água por ½ centímetro, sua nova fórmula será:
(número de blocos vistos) + [(peso da caixa – 480 gramas) / 90 gramas]
+ [(altura da água – 15 centímetros) / ½ centímetro]= constante
No gradual crescimento da complexidade de seu mundo, ela encontra toda uma série de termos representando formas de calcular quantos blocos existem em lugares onde ela não tem permissão de observar. Como resultado, ela encontra uma fórmula complexa, uma quantidade que deve ser calculada e permanece sempre a mesma para sua situação.
Qual é a analogia disto com conservação da energia? O aspecto mais importante que deve ser abstraido desta ilustração é que não há blocos. Se você retirar o termo (blocos vistos) nas equações acima, verá que estamos calculando mais ou menos coisas abstratas. A analogia tem os seguintes pontos: primeiro, quando estamos calculando energia às vezes um pouco dela deixa o sistema e vai embora, ou às vezes um pouco entra. De forma a verificar a conservação da energia, devemos ter o cuidado de não retirar ou acrescentar nada ao sistema. Segundo, a energia tem um grande número de formas diferentes e há uma fórmula para cada uma. Elas são: energia gravitacional, energia cinética, energia térmica, energia elástica, energia elétrica, energia radiante, energia nuclear, energia de massa. Se calcularmos o total para cada uma dessas contribuições, não haverá mudanças a não ser que a energia entre ou saia.
É importante perceber que na física de hoje, não temos conhecimento do que é energia. Não temos uma ilustração de que energia vem em pequenos blocos de quantidade definida. Não é dessa forma. Entretanto, há fórmulas para calcular algumas quantidades numéricas e, quando juntamos tudo nós temos “28” – sempre o mesmo número. É algo abstrato que não nos fala o mecanismo ou as razões para as várias fórmulas.

Deixar mensagem para Rosemeiry Elias Costa Cancelar resposta